Quando o casal (com filhos) se separa, cada um pode se unir a uma outra pessoa que passará a ser chamada de madrasta ou padrasto pelos filhos do outro e assume algumas responsabilidades pelo vínculo afetivo, mas sempre preservando a figura da mãe ou do pai.
É comum ouvirmos de enteados a seguinte frase: – Ela não manda em mim!; – Você não é a minha mãe!; – Se você não deixa, o meu pai deixa; – Só obedeço aos meus pais!; E por aí vai…
Tais atitudes, muitas vezes ingratas, desgastam o dia a dia da família e podem ser amenizadas com a ajuda de profissionais da área da psicologia. No entanto, sempre fica a pergunta: Será que a madrasta e o padrasto realmente não têm nenhum poder sobre os enteados?
A lei civil não acompanhou bem a evolução das famílias. Isto porque o art.1.636 do Código Civil afastou qualquer interferência do novo cônjuge sobre o exercício do poder familiar, que pertence exclusivamente aos pais.
Há casos em que os enteados são sustentados pelos padrastos ou que as madrastas assumem a criação dos enteados, casos evidentes de relação afetiva recíproca por solidariedade familiar. Ora, na medida em que padrastos e madrastas assumem voluntariamente uma obrigação com seus enteados, participando efetivamente da vida destes, devem ter em contra-partida mais poderes sobre os mesmos, o que a lei civil textualmente retirou, pois, para efeitos legais, madrastas e padrastos não têm qualquer interferência na criação dos enteados.
Apesar da falha da lei, madrastas e padrastos podem amarrar o relacionamento afetivo por outras vias: a) adoção unilateral (no caso do outro pai ou mãe ser ausente ou falecido); b) requerer a guarda dos enteados (no caso do outro(a) ser relapso, omisso e violar o dever de cuidado); c) deixar testamento para beneficiar os enteados na herança (caso não os assuma como filho); d) reconhecimento da paternidade socioafetiva direto no cartório se o(a) enteado(a) for maior de 12 anos. Se menor de 12 anos, só judicialmente. Tais atos, podem contribuir para que os enteados sintam mais segurança nesta relação.
Bom, mesmo que não se queira documentar a relação afetiva, o importante é sermos razoáveis. Padrastos e madrastas devem ser respeitados pelo vínculo afetivo e, se participam da criação dos enteados, seja pelo sustento ou pelo cuidado, devem participar das decisões sobre o bem estar desses, inclusive quanto à imposição de limites.
É comum a mãe ficar com a guarda compartilhada com maior tempo de convivência com os filhos e passar a conviver com outra pessoa: o padrasto. Esse novo membro da família pode passar a competir com o pai biológico (com tempo mais reduzido de convívio com os filhos) e acaba prejudicado pelo distanciamento imposto pelo juiz, não por sua vontade. O dia a dia, o boa noite, a ajuda nos estudos, os treinos de esportes, passam a ser presenciados pelo atencioso padrasto. Enganam-se aqueles que consideram este padrasto exemplar, pois está flagrantemente violando o seu maior dever, qual seja, estimular o vínculo paterno de seu enteado pois, só assim, estará contribuindo para a boa formação dele.
Tem sido comum os padrastos e madrastas assumirem um papel de pai e mãe de forma impulsiva, muitas vezes por paixão ao pai ou mãe da criança, com intenção de se amarrar na relação, afastando o outro genitor(a) e, paralelamente, dominando um espaço que não lhe pertence. Esta a razão do criticado artigo 1.363 do Código Civil em proteger a interferência de terceiros sobre os filhos.
Assim, fica a dica:
a) padrastos e madrastas têm o dever de contribuir para a boa formação de seus enteados. Para isso, devem estimular o afeto com o pai ou mãe que não convivem, mesmo que apresentem defeitos.
b) padrastos e madrastas têm o direito ao respeito, ao tratamento com dignidade, com possibilidade de impor limites em proteção à boa formação dos enteados.
c) quando houver discordância sobre o que é ou não bom para a formação dos enteados, prevalecerá a decisão do guardião. Em caso de guarda compartilhada, com opiniões diversas, indica-se a mediação familiar.
Assim, madrastas e padrasto podem reprimir seus enteados sim, desde que seja para o bem deles. Boa sorte.
Abraço, Lúcia Tina.